A morte ceifou, em 21 de maio de 1985, aos 54 anos de idade, a vida de um burgomestre alagoano e uma das maiores lideranças políticas que se formou na região são-franciscana. É difícil definir os limites da personalidade de um homem de tão vasta influência no território que escolheu para atuar. Não quis ir além de suas fronteiras. Foi uma opção consciente e clara de quem traçou um objetivo de vida e nunca se afastou um milímetro do planejado. Sua família, seus amigos, seu povo, sua cidade. Ah, sua cidade! Era o seu paraíso encontrado, do qual jamais imaginou por um instante sequer afastar-se.

Em todas as cidades por onde andou, sempre a reviu em detalhes de beleza. Era um amor visceral de caeté nativo. Por isso, na única exceção que fez, quando assumiu o cargo de auditor do Tribunal de Contas – após muito relutar e aceitar com a condição de passar apenas dois dias da semana em Maceió –, ele disse: “Nunca pretendi, e até recusei, posições fora de meu município, porque Penedo é a cidade dos meus sonhos, onde realizei todas as minhas aspirações”.

À Penedo singularmente bela, singularmente rica em seu casario colonial, em suas tradições, impregnada de história, dedicou por inteiro seus sonhos e sua vida. Amor de índio à sua terra. Prendeu-se a ela com a resignação de um eremita em sua caverna. Uma indômita coragem de não sair, asas cortadas e pés de chumbo para não pousar em outras paragens. Mas, na sua vida curta, teve tempo para alegrar os corações dos que atravessaram com ele aquele período que ainda hoje é lembrado como um tempo mítico da sua cidade.

Lembrado por seus filhos Lysia e James, por sua família, por seus amigos e contemporâneos, pelo povo humilde, pela tradição que teima em desafiar o poderoso tempo, aniquilador das recordações. Muitas de suas realizações estão abandonadas pelos seus sucessores, muitas de suas ideias foram deixadas de lado. Mas sobreviveu o principal. A divulgação da cidade, a redescoberta de Penedo pelos brasileiros. A valorização de seu patrimônio histórico e cultural. A continuidade dos sonhos de um idealista, de um construtor, de um renovador. A lembrança que ainda hoje perdura nas atuais gerações. O reconhecimento de sua obra. Um legado, que não deixa morrer sua lembrança.

É uma pena que parte dessa herança não tenha sobrevivido. O Festival do Cinema Brasileiro, por exemplo, que, embora não tenha sido por ele criado, foi por ele apoiado e viabilizado através dos seus esforços até chegar ao seu oitavo ano. Foi por sua persistência e trabalho que os órgãos de cultura e do turismo estadual mantiveram durante tanto tempo um evento que engrandeceu a cultura alagoana. Igualmente, os Festivais de Arte e as Caravanas Culturais, no afã de tornar a cidade um ponto de convergência entre artista e intelectuais, era um esforço de descentralização da cultura, à beira do rio da unidade nacional.

Mas outras partes sobreviveram;

Aí está a Tribuna Penedense, circulando semanalmente, sem interrupção, já próxima de completar trinta anos de fundação, rumando célere para os seus 1.500 números. Nascida do propósito do seu criador de não deixar a cidade de Penedo sem um órgão de imprensa. Preocupado com o desaparecimento do semanário O Apóstolo, órgão mantido pela diocese local, Raimundo adquiriu, inicialmente, os tipos e as impressoras para a Fundação do Baixo São Francisco. Ele deixou esse importante veículo de comunicação mantendo a tradição e o destaque que a cidade sempre teve na imprensa interiorana. Consolidada e modernizada por seus filhos, é um veículo que engrandece e divulga os fatos e a história do povo são-franciscano, com uma linha independente e coerente com os princípios do seu fundador e do bom jornalismo.

Aí está a Rocheira de Penedo, nascida da pedra que originou o burgo, com sua passarela de cimento que liga o bairro de Barro Vermelho ao centro, dotada de restaurante, que destaca a culinária regional, mostrando aos olhos deslumbrados dos visitantes o mais belo panorama da cidade. Um lugar aprazível, que, apesar de não ter recebido, dos seus sucessores, o cuidado que merece, é, sem dúvida, um dos símbolos maiores da opulência natural da região. É ponto obrigatório para quem chega a Penedo. Uma mostra da visão e da sensibilidade de seu criador.

Aí está a inclusão e Penedo como polo obrigatório em qualquer roteiro turístico que se faça em Alagoas e no Nordeste, fruto da consciência preservacionista que expressivo segmento da população expressivo segmento da população experimenta, insurgindo-se contra os predadores; uma autoestima revigorada e o sentimento de que Penedo não existe sem a sua história e os seus monumentos.

Aí está, pujante e vitoriosa, a Fundação do Baixo São Francisco que hoje leva o seu nome. A menina-dos-olhos do educador, que enveredou pela política, mas que nunca deixou de ser professor. Uma instituição que transformou a cidade em uma Coimbra tropical, com suas centenas de estudantes e professores a circular pelas ruas, criando aquele burburinho característico de uma ativa comunidade acadêmica, fora dos muros privilegiados da capital e das metrópoles litorâneas. É a pérola mais preciosa da coroa de seu legado a qual ele mais dedicou suas energias e sua flama criadora nos últimos anos de vida.

Instalada em 13 de agosto de 1971, nascia a Fundação, posteriormente veio a faculdade, com a presença do governador Afrânio Lages, ela representou a vitória da tenacidade de seu fundador, que removeu muralhas e montanhas para conquistar a sua materialização, que veio, finalmente, com decreto federal que a autorizava a funcionar, inicialmente, com o nome de Faculdade de Formação de Professores de Penedo. Raimundo, que conseguiu a recuperação do passado de Penedo e transformou a cidade em polo turístico, sabia do valor de seu mais novo empreendimento. Por isso, ao falar na inauguração da sede da Instituição, no ano seguinte, ele anteviu o seu significado, de forma bem clara:

Eu diria que este ato equivale a um reencontro de nossa cidade com sua tradição cultural. Penedo é uma comunidade consciente da responsabilidade de zelar por esse legado valioso intocável para os nossos sentimentos. (….) Na confederação dos municípios que compõem a região do Baixo São Francisco, sempre figuramos como um centro convergente do interesse educacional das populações vizinhas.

Na vida, há que ser leal com certos princípios, porque, no fim de tudo, é o que importa realmente para o homem. Fora desses princípios ou quando esses princípios são esquecidos, o homem também facilmente é esquecido. Raimundo Marinho até hoje é lembrado. Não só por suas realizações. Seu maior legado foram as suas qualidades, como bem frisam seus filhos, James e Lysia. Qualidades como a gratidão, a ajuda desinteressada ao próximo, e ética, a obstinação na defesa de suas ideias, o amor à sua cidade, o gosto em fazer e conservar amizades, a compreensão com os humildes.

Legado é uma palavra de etimologia latina, que significa: “o que é transmitido às gerações que se seguem”.

Em sentido histórico, assemelha-se a herança, que é “aquilo que se recebe dos pais, das gerações anteriores, das tradições, de determinadas figuras que deixaram algo que construíram no seu tempo para os tempos futuros”.

Quase tudo foge, perece, se dissolve, com a inexorável ação do tempo. Raimundo Marinho, uma figura de projeção em vida, deixou algo duradouro. Após tantos anos decorridos do seu desaparecimento, ele não foi apagado da memória de seus contemporâneos e de seus descendentes. Todas as riquezas, as dignidades, os cargos exercidos, as realizações: tudo isso nada vale se não se é leal a certos princípios, o que leva, hoje, um simples operário de posto de gasolina ou uma modesta professora municipal a fazerem uma pergunta que é geral na cidade em que ele viveu e tanto amou: “Quando teremos outro Raimundo Marinho? ”. Ou seus filhos, Lysia e James, a dizerem, quando interrogados, que a maior herança que receberam é o orgulho que sentem de serem filhos de Raimundo Marinho e de Eline Ramalho Marinho.